OCEANOS
NÃO PACÍFICOS
Inverno
de 1870, na cidade de São Luis do Maranhão. Parecia ser interminável aquela
chuva à beira-mar, nas proximidades da rampa Campos Melo: local de muita
movimentação em atracação, embarque e desembarques das embarcações marítimas
que, ali, chegavam e partiam trazendo e levando mercadorias e gente. Naquele
local de chegada e partida havia muito trabalho de homens pescadores,
estivadores, arrumadores e, ainda, de passageiros em viagens nas embarcações
que faziam a travessia do Boqueirão Maranhense: pedaço do Mar que sempre estava
submetido a Maremotos no período de inverno rigoroso. Enfim, um cenário de
muitas histórias de naufrágios e desaparecimento de embarcações com tripulação
e passageiros.
Porém, era mesmo um
inverno rigoroso. A chuva nunca dava trégua e era quase impossível que alguém
saísse de casa para realizar alguma atividade que não fosse relacionada
diretamente à viagem, ali, na rampa Campos Melo. Mas, diariamente, por lá, uma
pessoa era notada: tratava-se de uma senhora muitíssimo bem-vestida, com uma
luz advinda de dois grandes e irrequietos olhos verdes e com ares esperançosos
de quem sempre estivesse esperando por alguém que prestes a chegar. A presença
daquela senhora, sempre no mesmo lugar olhando o Mar, como se de lá estivesse
acenando para um outro alguém que só a sua própria imaginação criasse. Algumas
pessoas mais acostumadas, diariamente, com aquela presença imponente de uma
senhora que parecia ser da alta burguesia ludovicense, chegavam a comentar: - “Aquela senhora é a Ana Amélia; a musa do
poeta Antônio Gonçalves Dias que, desde que se tornara viúva, passara a está
sempre presente na rampa Campos Melo como se estivesse à espera da chegada do
poeta náufrago, desde o ano de 1864, quando tentava regressar da Europa para
sua terra, o Maranhão”.
Ana
Amélia foi, na realidade, o eterno amor do poeta Gonçalves Dias, aquela pela
qual ele, também, vivera um imenso amor. Porém, por motivos de discriminação
familiar, em face ao racismo, e, à desigualdade de classe social, ambos não
tiveram o prazer de vivenciar aquele amor fiel, verdadeiro e que nunca acaba, um
amor impossível de ter sido vivido, mas que ficou na memória e no espírito de
Ana Amélia mesmo após o desaparecimento de Gonçalves Dias. E sobre esse triste
fato, ocorrido em 1864, num naufrágio, bastante noticiado pelos jornais da
época, sempre nas matérias jornalísticas havia a notícia de que o corpo de
Gonçalves Dias jamais fora encontrado. Então, Ana Amélia, que era casada no
período, que aconteceu o naufrágio, no qual desapareceu o poeta Gonçalves Dias,
após se tornar viúva em dois casamentos, ia todos os dias à rampa Campos Melo;
como se, lá, um dia talvez, ela tivesse um grande encontro com o seu única amado,
Gonçalves Dias; como se do fundo do Mar o poeta emergisse e chegasse aos seus
braços. Pra Ana Amélia, já viúva por duas vezes, isso seria possível.
Muitas
vezes algumas pessoas a ouviam a falar sozinha: - “Um poeta nunca morre ele se
encanta e o meu Antônio, meu único e verdadeiro amor está vivo no meu coração e
eu tenho a certeza de que ele um dia virá numa dessas embarcações ao meu
encontro e nós viveremos nosso amor para sempre, pois sou aquela que ele sempre
criou em seu desejo, aquela que ele sempre idealizou em sua imaginação, enfim,
aquela que ele amaria e viveria para sempre com esse amor” - “O meu amor,
Antônio Gonçalves Dias, um dia virá... talvez quando esse inverno acabar e der
luz aos céus para iluminar nosso encontro com raios de sol e nós, então, iremos
sentar a um banco do Largo dos Amores e confessar, um ao outro, todo o quanto
podemos amar dali por diante, sem que nada mais possa nos atrapalhar” - “Mas,
se nunca vier ao meu encontro é porque ele estará me esperando lá nas
profundezas desse mar que o esconde de mim. Ai, eu pedirei ao meu bom Deus que
me torne, pelo menos, um pingo de sal envaido e mergulhado nesse Mar para que
eu possa ir ao seu encontro”. - “Os amores verdadeiros nunca morrem e sim se
transformam noutras naturezas para se tornarem lendas encantadas a fim de
alimentar novas paixões aos que saberem sobre nós, os verdadeiros amantes”.
E, assim, há mais de século comenta-se que, ali, na beira-mar, em São
Luis do Maranhão, nas proximidades da rampa Campos Melo, as ondas do mar sempre
às 18h00, em cada dia de maré enchente, entoam uma canção de amor em louvor ao
amor de Gonçalves Dias e Ana Amélia. Pois, há quem diga que seu desejo fora
satisfeito pela Divindade: um dia daqueles tempos Ana Amélia se transformou em
um punhado de sal que mergulhou esvaído ao mar e foi ao encontro do
encantamento de seu amado. Não se sabe
bem a certeza desse encontro, mas, ainda, hoje, comentam que nas últimas vezes
que Ana Amélia fora vista, ali, àquela espera, tinha sempre seus olhos verdes
quase que transformados em dois “Oceanos Não Pacíficos”.
* Conto do poeta Caxiense Wybson Carvalho
expetacular.
ResponderExcluirMas se um dia quiseres voltar, para este casulo, onde um dia encontrastes, encarnados, o corpo e a alma deste que ama e espera, volta volta, e começa junto comigo a bordar, com o fio da paciência, o manto que irá aquecer o frio do inverno, necessário para que venha brotar as sementes, que na tua ânsia de viver, ajudaste a plantar. è mesmo um conto ou poesia?
ResponderExcluirMuito emocionante
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