O naufrágio do muro é o vermos como tal. O muro, antes que se o edifique (e o muro há de ficar sem muro) já o é. O relevo do muro é ignorar-se, e seu desastre é estar com o ar que lhe degrada o puro. O puro puro. O vocábulo corrompe o muro. O muro que ficou no mundo exigindo uma flauta.
Árvore
A árvore paradoxal
na sala
chora fogo e neve
Ventos de terras esquecidas
não a sopram
porque
em dezembro
as janelas não se abrem para
o abismo
A árvore paradoxal
só constringe
o menino sem estátua
sem rio
sem fruto
Mas extasia o mundo.
Sábado de cinzas
Estas paredes,
amadurecidas em sua dura inércia,
assistem ao escurecer do século
e o seu desespero cresce
no prenúncio amargo dos relógios.
Sábado de cinzas:
os homens querendo pisar em Deus.
Perspectiva de um exercício
Eis o de quanto, agora, preciso,
para meu encanto:
abrir a palavra
até descobrir-lhe
o núcleo fundamental
e, depois,
semeá-la numa terra sem memória
de que flores verbais
se abrirão, um dia,
a desprender
o olor
de uma estranha primavera.
Abrir a palavra
que ficou longe,
em seu misterioso concreto
e desvendar,
no imo tônico do verbo,
a verdade agônica
de um desejo
que seja, sobretudo, eterno.
Abrir a palavra
que eu não tenho agora
e de que a alma se nutre
para o ânimo da fantasia.
Abrir, enfim, a palavra
de que nasce
o fruto humano de cada dia,
para o fenômeno
só
da poesia.
Do pássaro em que voo
O meu pássaro de prata
se deslumbra, com a intacta
existência do seu fim.
Não finge o voo. Só o intenta,
quando a esfinge, que o sustenta,
se abre em volta de mim.
O meu pássaro de prata
da essência não se aparta
que o move em minha mão.
No entanto, fosse possível,
para torná-lo sensível,
dar-lhe o canto. O voo, não.
Lado inútil
Tua infância é muita,
para o que envelhece,
dentro do absurdo
que me torce e tece.
Tua infância é pouca,
para o que me cabe.
(E que a vida seja
o que, em mim, não sabe).
Ensaio sobre a porta
Perto da porta está o abismo.
A porta – exausta do caos que a fecha – dá-se em desespero
e seu imaturo silêncio cresce nas muralhas.
A porta, sem a ruína que a espera e a espreita, é o flagelo de
quem a abre.
A porta é o começo real de tudo quanto fica, pois sua viagem
válida é inventar caminhos para o Homem.
Se amadureço no verbo, (onde aporto) descubro, na porta, mais
do que uma porta: um porto. Porto donde parto para o acontecimento,
aquele em que sou a volta de um longo desperdício.
A porta, fora da lógica e do que a torna plena e plana, é a origem
da solidão que a move, fechando-a.
A porta existindo indefinidamente está e razão é que a observemos.
A bailarina
Enquanto ela dança, (e a ideia do sexo lhe baila na mente) sua
imaginação a coloca num plano respeitavelmente indecifrável.
Não há, em si, o caminho, senão a volta, e seus vestígios são a
continuação de uma fuga.
A bailarina se alça fora do equívoco e encanta-nos, perdendo-se
na circunferência que a prende.
Banquete
Eis o pão
de que necessitas,
para o alimento
do dia eterno:
a fome de invadir
o mistério global.
*Raymundo Nonato da Silva (DÉO SILVA), poeta e jornalista brasileiro, nascido em Caxias-MA, em 15 de agosto de 1937. Descendente de tradicional família maranhense, é filho de Jefferson Antonio da Silva e Aracy Carneiro da Silva. Sobrinho do casal Alderico e Dinir Silva. Entre títulos inéditos, publicações em vários suportes literários, é o autor dos livros de poemas “Ângulo noturno” (1959) e “Equação do verbo” (1980). Este 27 de setembro de 2017 marca 34 anos de seu falecimento físico.
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Fonte:
Seleção/organização dos textos realizada pelo professor, pesquisador da obra de Déo, Carvalho Junior
Imagens:
Foto cedida ao professor Carvalho Junior pelo filho mais novo de Déo Silva, Welter Cantanhêde, modificada com recursos de computador.
E eis que lá no alto do Morro trava-se nova batalha
-- não é mais Alecrim, Duque, nem é contra Fidié:
é luta por causa histórica, onde a verdade assoalha
para o Morro não deixar de ser a Memória que é.
Esse Morro onde habita a História sem fim
e também onde o poeta sua musa canta
pode não mais ser nosso Morro do Alecrim
para ser -- e muito mais -- “o morro da santa”.
Querem (im)por uma estátua no alto do Morro do Alecrim,
onde a escultura é desnecessária, quiçá conflituosa.
Há opções de valia -- entre elas o Morro do Barata, sim,
onde, com Fé, renderemos graças à Maria Virtuosa.
Filhos da terra que dizem respeitar a História,
detentores transitivos do volátil Poder,
abusam da condição, desrespeitam a Memória,
louvam a si mesmos por trás da Santa enaltecer.
Estátua, substantivo sem vida nem rima.
Colocá-la bem no Alecrim é turbação.
À essa obra no alto do Morro, lá em cima,
a Santa pede e quer contrição, oração.
Pois é no interior de cada um que se constrói a devoção
e se a confirma na Fé, no Trabalho, no Amor, na luta contra o Mal,
com decência suprindo o povo carente não só de fé, mas de pão
acompanhado de boas doses de ética, fraternidade, moral.
O próprio Deus escolheu o íntimo do ser humano como templo
quando poderia, fácil, por outros meios fazer-se representar.
E certos humanos, incrédulos, desapegados desse exemplo,
o que fazem para a Deus -- na verdade, a si mesmos, ímpios -- louvar?
Em sítio histórico de Caxias quer-se erguer estátua religiosa;
fazer estátua não só porque os feitores tenham fé, convicção ou crença:
quer-se fazer estátua porque estão, breves, no Poder – coisa perigosa –,
senão teriam construído com humildade, sem alarde ou desavença.
Se têm contas a prestar com a Santa,
se co’ ela têm promessas a pagar,
por que, humildes, como quem ora e canta,
não fazem a estátua em outro lugar?
Digam: Por que foram mexer logo com a Virgem Santa?
Por que assumiu a obra e depois sumiu o Público Poder?
Porque quem tem fé sabe que à Fé incomoda e espanta
o fazer questão de anunciar ao mundo o seu fazer.
Receberam uma dádiva -- dinheiro, poder, vitória, eleição --
e, cumpridores, querem agradecer com uma o que a outra mão pediu?
Então, munam-se, assim, de reserva, recato, humildade, contrição,
e não se preocupem se todo mundo no mundo todo vê, ou viu.
Pague-se sua promessa sem excessos, ou soberbia, com discrição,
--- pois santo que é santo não precisa de alto-falante para sê-lo.
A Santa, sobretudo porque virginal, materna, estenderá a mão
e grata ficará pela prudência, contenção, amor, fé e zelo.
Basta de revolverem-se as pedras do Morro e sua memória;
cada uma delas é um patrimônio que é nosso, que é seu.
Diz o Poeta: “Cada pedra que i* jaz encerra a história”,
história valente, corajosa, “dum bravo que morreu”.**
Nessas pedras há sangue, há dor, há ideal e há liberdade,
e essa luta, só o Morro do Alecrim deve ser o lugar dela.
Assim, porque soterrar mais ainda a História, quando, de verdade,
há outros lugares para a santa escultura e o que vier com ela?
O caxiense Teixeira Mendes, a partir do Rio de Janeiro,
iniciou uma luta, fez a lei e finalmente conseguiu
separar Igreja de estado -- pois a Fé, valor verdadeiro,
não deve ser obrigação constitucional no Brasil.
Mas o que um caxiense faz para todo o País outros desfazem em casa.
De modo exposto ou escondido, verbo e verba em variados expedientes,
interesses pessoais são mantidos, decisões e descaso ganham asa
...e História e Patrimônio caxienses -- sim, ruindo -- cada vez mais doentes.
Depois de portugueses e balaios,
que “mato” e “morro” não tornem a verbos
nesta terceira “guerra” do Alecrim;
que sejam o que são: só Natureza
e História, ambas com seu espaço e beleza,
cumprindo em Caxias seu elevado fim.
Sine ira et studio.
(*) O mesmo que aí.
(**) “Cada pedra que i jaz encerra a história” e “dum bravo que morreu” são respectivamente o terceiro e o quarto versos da segunda estrofe da primeira parte do poema “Morro do Alecrim”, de Gonçalves Dias (in Poesia Completa e Prosa Escolhida, p. 527, Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959).
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MORRO DE SAUDADES DO ALECRIM
///Isaac Sousa///
Morro de saudades do alecrim.
Morro e teu perfume jaz em mim.
Como um velho feiticeiro
Que invoca pássaros de fumaça.
Morro sete vezes sem perdão
Nas encruzilhadas da canção,
Onde o velho feiticeiro vem
modelar morcegos enevoados.
Nas ruínas gemem ossos litium
Dos tabocais plantados no infinito.
E o poeta em seu cigarro escreve
Suítes de metal e de fantasmas.
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EM GUARDA
///Jorge Bastiani///
Sei que nunca é chegada a hora de dizer
adeus.
Também não há hora para se despedir.
Nasci ouvindo histórias,
Até mesmo de assombros
Sobre sombras que
Pernoitamos essas paragens do Morro.
Agora ouço passos, de novo,
Acordando tudo – de novo! –
Para mais uma
Nova batalha.
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SÃO RUÍNAS NOSSAS
///Quincas Vilaneto///
Não preciso consultar a bússola
nem tampouco o gandula da fé,
todo o meu chão pode ser visto
à medida que se rabisca nele
e a memória permanece de pé.
Não preciso de uma outra história
criando uma estética às avessas,
as coisas que realmente nos interessam,
devem ser mais do que borras de hóstias.
Não tenho nada contra a religiosidade
nem me interessa o conteúdo da promessa,
só não creio que seja moderno
juntarem-se pios com os céticos
e destruir todo um passado impresso.
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Fonte:
- Seleção e organização dos poemas: Carvalho Junior
Naquela lagoa encantada ou em teus riachos infantes,
Que generosamente deixas de tuas entranhas nascer
E que alimentam o plácito rio que te adentra, confiante,
Como um amante desejoso de cuidados e prazer.
Na exuberância de tuas matas verdejantes,
Onde cantam os bem-ti-vis, xexéus e juritis,
Ou nas palhas das palmeiras tremulantes,
Dos nativos babaçus, macaúbas e buritis.
Na simplicidade de vida de teu povo, tua gente,
Nos teus poetas, trovadores, todos teus talentos,
Na glória do teu passado, na riqueza do teu presente,
Que norteiam teu futuro, esperançoso acalento!
És minha Caxias, és Siriema, Trezidela, Cangalheiro e Ponte,
És Fumo Verde, Volta Redonda, Veneza, Pirajá, tantos e tantos!...
Um cântico sem final, que por mais que eu o cante,
Jamais poderei neste canto louvar todos os teus encantos!
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TESE
(Renato Meneses)
Destarte cidade luso-conservadora
de gáudios monarquistas, veacos ilustres
e heróis caguetes
puças de generosidade da boria do algodão
que à sorrelfa fugiam de penas pecuniárias
falando o mais fino francês.
Antítese
Entanto, braços bons de trabalhar
mulheres boas de fornicar
esculpiam ninguendades de anjos,
cosmes e gomes
em balaios de guerrilha.
Síntese
Eis a arquelogia nossa:
fósseis de puças e balaios
ancestral contradição infletida em nós.
Desteoria
Eu por mim, advento desse fóssil
Mas há quem desteoria.
Um agroval deles incompagina-se
com essa metáfora de existidura forjada na ancestralidade
São feitos de amanhecimento sem memórias.
Quando muito vesperais do efêmo presente.
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CAXIAS
(João Fonseca Maranhão)
Caxias, minha eterna namorada,
Jamais te esquecerei, terra querida!
Vejo-te nos meus sonhos retratada,
Nos momentos de dor de minha vida.
Não és, por certo, uma ilusão perdida:
És saudade em minh´alma encastelada,
Flor dileta de mim nunca esquecida,
Poema de luz em noite enluarada.
O teu céu, luminoso, cintilante
Sereno, dum azul resplandescente
É que sempre me acena para adiante.
Mesmo de longe, tenho-te bem perto;
Terra querida, sabiá dolente,
Juntos sonhamos um porvir incerto.
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CAXIAS RECORDADA
(Adailton Medeiros)
-- Caxias!
-- Caxias!
-- Caxias!
-- ó Pátria
guardai no vosso peito
o nosso grito nunca proferido
-- Sim - Exatamente isto: o nosso grito
No entanto sabemos (com alegria) que
A morte é a vassoura do tempo:
Tudo limpa
Tudo faz desaparecer
Tudo da carne: a beleza e o tormento
Depois (tudo varrido: - limpo e reconciliado)
resta-nos ancorar no esquecimento
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PENSAMENTOS E VIVÊNCIAS
(José Armando Rodrigues de Sousa)
Nasci numa terra que as culturas são nativas.
Tem muita gente escrevendo poemas e poesias
Tem belezas que muitos ficam sem explicativas
Os encantos são tão belos e não são fantasias.
Nós temos Gonçalves Dias, o glorioso
Nós temos Coelho Neto, o redentor
Nós temos Manoel De Pascoa, o valoroso
Nós temos Carvalho Junior, o inspirador.
Nós temos Vespasiano Ramos, o estilista
Nós temos Teixeira Mendes, o embaixador
Nós temos o José Armando, o malabarista
Nós temos o Jotônio Viana, o navegador.
Temos muitos nomes a documentar
Temos muitos nomes a esclarecer vamos estes nomes exaltar
Tara que todos possam conhecer.
Temos o Morro do Alecrim
Temos o encanto da Veneza
Temos a beleza do Itapecuru
Temos o semblante das belas igrejas.
Temos praças tão lindas
Temos ruas bem longas
Temos bairros divertidos
Temos pessoas valorosas.
O seu nome é Caxias
A Atenas Brasileira
Princesa do Sertão Maranhense
O símbolo da verdadeira poética.
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CAXIAS DOS AMORES
(Alberto Pessoa)
Caxias única, singular
A tua história triste
É bela para se contar
Mas tua sina resiste.
Teus dias estão escritos
Nas peripécias da poesia
Nas ruas aventuras, magia
Na paixão de mil amores.
Minha cidade de amor
Que embeleza meus dias
Qual o canto do beija-flor .
Sei bem que sofro a tua falta
Mas o que mais me maltrata
É saudade de ti, que mata.
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TERRA DA POESIA Letra e música: Carloman Rocha
Minha cidade
É a terra da poesia
Abraça toda arte
Da plástica, dança, teatro
À cantoria
Minha cidade
É a mais bonita do sertão
É minha princesa
É o meu ouro, é o meu chão
Minha cidade
É a mais bonita do sertão
É minha princesa
É o meu ouro, é o meu torrão
Tens o nome da flor
Do amor e da alegria
Caxias, Caxias
Terra da poesia
Caxias, Caxias
Cidade de Gonçalves Dias
Caxias, Caxias
Terra da poesia
Princesa
Tu és patrimônio
Da cultura do Maranhão
Realeza
Teu nome está cravado com ternura
Na minh'alma e no coração
A felicidade mora aqui
Entre palmeiras e sabiá
E a poesia une-se a alegria
Num só coração
Na mesma emoção
Esse céu, esse sol
É que te faz brilhar
Te amo princesa
Te amo Caxias.
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Música: Tributo à Caxias
(Naum EsteveS)
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá
Nesse canto que eu canto,
Canto com alegria,
Canto pra você princesa,
Canto pra você Caxias.
Minha terra, minha cidade,
Você mora em meu coração.
Por onde for, vou cantar você,
Princesinha do Maranhão.
As tua praças, teus casarões
Misturam passado e presente.
Que fascinam e encantam a gente.
As tuas fontes,
Tem águas que são cristalinas,
Veneza beleza plena.
Caxias, linda menina!
Teus morros, tuas matas,
teus bichos,
Teu céu de beleza sem par.
As tuas palmeiras tão lindas,
Onde cantam o Sabiá.
Transmitem a tua beleza,
O teu encanto e magia.
Pra você minha o meu canto princesa,
Pra você o meu canto Caxias.
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TERRA MINHA
(Salgado Maranhão)
Quando eu te reconheci, havia um rio entre nós, desde então sigo cantando no leito da tua voz.
Quando eu te reencontrei, já era marcado a ferro, sem ao menos perceber o poder do próprio berro.
Passa por mim esse slide como um cinema secreto, como se dessa paisagem, fosse meu próprio alfabeto.
Me lanço por entre mares, por caminhos que nem sei... para o fim retornar ao ponto que iniciei.
Mesmo listando ao presente as memórias do futuro, acabo por te encontrar, cada vez que me procuro.