quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Tabocas & Versos: 5 poemas em resistência à ameaça de descaracterização do Morro do Alecrim


                                    

BALAIOS DE SOLUÇOS
///Carvalho Junior///


flecha de mágoas-vivas, corpo de tabocas órfãs,
sou carvão desprezado no alto da ladeira
(o)fendida pela lâmina de silêncios suicidas.

o sonho resiste ao fogo, ao cuspe tóxico dos
homens-cinza e à pedra não lapidada dos
autodidatas da futilidade.

tudo morre diante dos nossos olhos:
o morro, a história, a lucidez...
as borboletas sobreviventes marcham sobre os
balaios de soluços que explodem no jardim. 


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A TERCEIRA “GUERRA” DO ALECRIM
///Edmilson Sanches///


“Ímpios sem crença, e precisando tê-la,
Assentastes um ídolo doirado
Em pedestal de movediça areia;
Uma estátua incensastes [...]
Da política, sórdida manceba “

(Gonçalves Dias, “À Desordem de Caxias”, IV, 
in Poesia Completa e Prosa Escolhida, p. 551,
Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959) 


E eis que lá no alto do Morro trava-se nova batalha
-- não é mais Alecrim, Duque, nem é contra Fidié: 
é luta por causa histórica, onde a verdade assoalha
para o Morro não deixar de ser a Memória que é.

Esse Morro onde habita a História sem fim
e também onde o poeta sua musa canta
pode não mais ser nosso Morro do Alecrim
para ser -- e muito mais -- “o morro da santa”.

Querem (im)por uma estátua no alto do Morro do Alecrim,
onde a escultura é desnecessária, quiçá conflituosa.
Há opções de valia -- entre elas o Morro do Barata, sim,
onde, com Fé, renderemos graças à Maria Virtuosa.

Filhos da terra que dizem respeitar a História,
detentores transitivos do volátil Poder,
abusam da condição, desrespeitam a Memória,
louvam a si mesmos por trás da Santa enaltecer.

Estátua, substantivo sem vida nem rima.
Colocá-la bem no Alecrim é turbação.
À essa obra no alto do Morro, lá em cima,
a Santa pede e quer contrição, oração.

Pois é no interior de cada um que se constrói a devoção
e se a confirma na Fé, no Trabalho, no Amor, na luta contra o Mal,
com decência suprindo o povo carente não só de fé, mas de pão
acompanhado de boas doses de ética, fraternidade, moral.

O próprio Deus escolheu o íntimo do ser humano como templo
quando poderia, fácil, por outros meios fazer-se representar.
E certos humanos, incrédulos, desapegados desse exemplo,
o que fazem para a Deus -- na verdade, a si mesmos, ímpios -- louvar?

Em sítio histórico de Caxias quer-se erguer estátua religiosa;
fazer estátua não só porque os feitores tenham fé, convicção ou crença:
quer-se fazer estátua porque estão, breves, no Poder – coisa perigosa –,
senão teriam construído com humildade, sem alarde ou desavença.

Se têm contas a prestar com a Santa,
se co’ ela têm promessas a pagar,
por que, humildes, como quem ora e canta,
não fazem a estátua em outro lugar?

Digam: Por que foram mexer logo com a Virgem Santa?
Por que assumiu a obra e depois sumiu o Público Poder? 
Porque quem tem fé sabe que à Fé incomoda e espanta
o fazer questão de anunciar ao mundo o seu fazer.

Receberam uma dádiva -- dinheiro, poder, vitória, eleição --
e, cumpridores, querem agradecer com uma o que a outra mão pediu?
Então, munam-se, assim, de reserva, recato, humildade, contrição,
e não se preocupem se todo mundo no mundo todo vê, ou viu.

Pague-se sua promessa sem excessos, ou soberbia, com discrição,
--- pois santo que é santo não precisa de alto-falante para sê-lo.
A Santa, sobretudo porque virginal, materna, estenderá a mão
e grata ficará pela prudência, contenção, amor, fé e zelo.

Basta de revolverem-se as pedras do Morro e sua memória;
cada uma delas é um patrimônio que é nosso, que é seu.
Diz o Poeta: “Cada pedra que i* jaz encerra a história”,
história valente, corajosa, “dum bravo que morreu”.**

Nessas pedras há sangue, há dor, há ideal e há liberdade,
e essa luta, só o Morro do Alecrim deve ser o lugar dela.
Assim, porque soterrar mais ainda a História, quando, de verdade,
há outros lugares para a santa escultura e o que vier com ela?

O caxiense Teixeira Mendes, a partir do Rio de Janeiro,
iniciou uma luta, fez a lei e finalmente conseguiu
separar Igreja de estado -- pois a Fé, valor verdadeiro,
não deve ser obrigação constitucional no Brasil.

Mas o que um caxiense faz para todo o País outros desfazem em casa.
De modo exposto ou escondido, verbo e verba em variados expedientes,
interesses pessoais são mantidos, decisões e descaso ganham asa
...e História e Patrimônio caxienses -- sim, ruindo -- cada vez mais doentes.

Depois de portugueses e balaios,
que “mato” e “morro” não tornem a verbos
nesta terceira “guerra” do Alecrim;
que sejam o que são: só Natureza
e História, ambas com seu espaço e beleza,
cumprindo em Caxias seu elevado fim.


Sine ira et studio.


(*) O mesmo que aí.
(**) “Cada pedra que i jaz encerra a história” e “dum bravo que morreu” são respectivamente o terceiro e o quarto versos da segunda estrofe da primeira parte do poema “Morro do Alecrim”, de Gonçalves Dias (in Poesia Completa e Prosa Escolhida, p. 527, Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959).


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MORRO DE SAUDADES DO ALECRIM
///Isaac Sousa///


Morro de saudades do alecrim.
Morro e teu perfume jaz em mim.
Como um velho feiticeiro
Que invoca pássaros de fumaça.

Morro sete vezes sem perdão
Nas encruzilhadas da canção,
Onde o velho feiticeiro vem
modelar morcegos enevoados.

Nas ruínas gemem ossos litium
Dos tabocais plantados no infinito.
E o poeta em seu cigarro escreve
Suítes de metal e de fantasmas.

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EM GUARDA 
///Jorge Bastiani/// 



Sei que nunca é chegada a hora de dizer 
adeus.
Também não há hora para se despedir.
Nasci ouvindo histórias,
Até mesmo de assombros 
Sobre sombras que
Pernoitamos essas paragens do Morro. 
Agora ouço passos, de novo, 
Acordando tudo – de novo! –
Para mais uma
Nova batalha. 

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SÃO RUÍNAS NOSSAS
///Quincas Vilaneto///




Não preciso consultar a bússola
nem tampouco o gandula da fé,
todo o meu chão pode ser visto 
à medida que se rabisca nele 
e a memória permanece de pé. 

Não preciso de uma outra história 
criando uma estética às avessas, 
as coisas que realmente nos interessam, 
devem ser mais do que borras de hóstias. 

Não tenho nada contra a religiosidade 
nem me interessa o conteúdo da promessa, 
só não creio que seja moderno 
juntarem-se pios com os céticos 
e destruir todo um passado impresso.



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Fonte:
- Seleção e organização dos poemas: Carvalho Junior 
- Fotos retiradas do Facebook de cada escritor

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