O Sabiá e o Urubu
Fábula de Monteiro Lobato
Fábula de Monteiro Lobato
Era à tardinha. Morria o sol no horizonte enquanto as sombras se alongavam na terra. Um sabiá cantava tão lindo que até as laranjeiras pareciam absortas à escuta.
Estorce-se de inveja o urubu e queixa-se:
- Mal abre o bico este passarinho e o mundo se enleva. Eu entretanto, sou um espantalho de que todos fogem com repugnância... Se ele chega, tudo se alegra; se eu me aproximo, todos recuam... Ele, dizem, traz felicidade, eu mau agouro....
A natureza foi injusta e cruel para comigo. Mas está em mim corrigir a natureza; mato-o, e desse modo me livro da raiva que seu gorjeios me provocam.
Pensando assim, aproximou-se do sabiá que ao vê-lo armou as asas para a fuga.
- Não tenha medo, amigo! Venho para mais perto a fim de melhor gozar as delícias do canto. Julga que por ser urubu não dou valor à obras-primas da arte? Vamos, lá cante! Cante ao pé de mim aquela melodia com que há pouco você extasiava a natureza.
O ingẽnuo sabiá deu crédito àqueles mentirosos grasnos e permitiu que ele se aproximasse o traiçoeiro urubu. Mas este, logo que o pilhou ao alcance, deu-lhe tamanha bicada que o fez cair moribundo.
Arquejante, com os olhos já envidrados, geme o passarinho.
- Que mal fiz eu para merecer tanta ferocidade?
- Que mal fez? É boa! Cantou!... Cantou divinamente bem, como nunca urubu nenhum há de cantar. Ter talento: eis o grande crime!...
MORAL: A inveja não admite o mérito.
O sabiá na gaiola
Fábula de Monteiro Lobato
Fábula de Monteiro Lobato
Lamentava-se na gaiola um velho sabiá.
- Que triste destino o meu, nesta prisão toda a vida... E que saudades dos bons tempos de outrora, quando minha vida era um contínuo pular de galho em galho em procura das laranjas mais belas... Madrugador, quem primeiro saudava a luz da manhã era eu, como era eu o último a despedir-me do sol à tardinha, cantava e era feliz...
Um dia, traiçoeiro visgo me ligou os pés. Esvoacei, debati-me em vão e vim acabar nesta gaiola horrível, onde saudoso choro o tempo da liberdade. Que triste destino o meu! Haverá no mundo maior desgraça?
Nisto abre-se a porta da sala e entra o caçador, de espingarda ao ombro e uma fieira de pássaros na mão.
Ante o espetáculo das míseras avezinhas estraçalhadas a tiro, gotejantes de sangue, algumas ainda em agonia, o sabiá estremeceu e horripilado verificou não ser dos mais infelizes, pois que vivia e ainda não perder a esperança de recobrar a liberdade de outrora.
Refletiu sobre o caso e murmurou consigo:
- Antes penar que morrer.
MORAL: Nunca se esquecem as lições aprendidas na dor. Enquanto há vida, há esperança.
Urubus e sabiás
Rubem Alves
Rubem Alves
Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência.
Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa , e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...
MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá.
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Referencias
ALVES, Rubem. Estórias de Quem gosta de Ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1985, p.81-2.
LOBATO, Monteiro. Fábulas. 50.ed. Ilustr. Manoel V. Filho. São Paulo: Brasiliense, 1994.
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