terça-feira, 5 de maio de 2015

DE COMO NÃO SE SABER ONDE NASCEU NEM ONDE CAIR MORTO



O escritor Carvalho Junior integra-se ao debate acerca de onde nasceu mesmo seu/nosso conterrâneo ilustre o poeta, advogado, etnógrafo, linguista, professor, pesquisador Antônio Gonçalves Dias.

Todo mundo sabe de cor e salteado que Gonçalves Dias nasceu em Caxias, Maranhão. Mais que filho de Caxias, Gonçalves Dias é rima dela.

Ocorre que o local onde Gonçalves Dias nasceu, em 10 de agosto de 1823, está hoje dentro do território do município de Aldeias Altas, que recebeu de Caxias quase dois mil quilômetros quadrados para deixar a condição de distrito caxiense e tornar-se um município independente há 53 anos, desde 26 de dezembro de 1961.

Não bastando o ter recebido de Caxias parte de seu território, de sua população e até parte de seu antigo nome, alguns revisionistas querem transferir a naturalidade, o registro de nascimento de Gonçalves Dias.

Já vi/li coisas sobre isso há anos. O debate é válido. E, claro, tenho minha própria opinião, se é que ela vale algo.

Minha opinião até agora é a de que não parece ser justo o querer transferir-se uma naturalidade em razão de endodivisões geográficas ou repartições internas de um território. Se isso vingasse, ocorreriam inúmeras situações de sucessivas "atualizações" de certidões de nascimento de uma mesma pessoa. Veja-se, hipoteticamente:

- alguém que depois se tornaria um ilustre escritor ou que permaneceu um simples camponês nasceu no século 19, no território do hoje município independente, maranhense, de Itinga do Maranhão, fronteiro com o estado paraense (especificamente, com o município de Itinga do Pará). Essa pessoa seria registrada como caxiense, pois o território de Caxias se alargava até os limites com o Pará;

- tempos depois, Caxias cede território para que seu distrito chamado Pastos Bons se autonomize e torne-se o independente município de Pastos Bons. Ter-se-ia de trocar a certidão do hipotético caxiense acima para tornar-se pastos-bonense?;

- novamente tempos depois, Pastos Bons cede território para constituir-se o município de Grajaú. O ex-caxiense passaria a também ser ex-pastos-bonense e iria ao cartório para ser grajauense?;

- outra vez ocorre cessão de território: Grajaú cede área para nascer oficialmente o município de Imperatriz. Agora aquele antigo caxiense é o mais novo imperatrizense e acumulou ex-naturalidades: ex-caxiense, ex-pastos-bonense e ex-grajauense;

- mas a História é dinâmica e as movimentações políticas, os sonhos de autonomia de antigos distritos transformam-se em realidade. O povo quer, políticos lutam e resta aos poderes Legislativo e Executivo transformarem em lei vigente a vontade social, popular, e política: cria-se, das terras de Imperatriz, o município de Açailândia. Aquela pessoa agora é açailandense e ex-caxiense, ex-pastos-bonense, ex-grajauense, ex-imperatrizense;

- e assim vai... E o tempo não para: eis que Açailândia sofre também sua endodivisão e seu território se biparte, com uma parte sendo transferida para autonomizar o distrito de Itinga, que se transforma no independente Itinga do Maranhão. Nova ida ao cartório -- e o ex-caxiense, ex-pastos-bonense, ex-grajauense, ex-imperatrizense é agora um cidadão itinguense.

Será lógico, racional, nascermos em um município e não termos segurança histórica e legal de que não nos mudarão a naturalidade, pelo simples fato de que não podemos antever como as divisões e redivisões de um dado território acontecerão ao longo do tempo?

E como ficaria a situação ou a certidão de nascimento de pessoas que nasceram em terras de diversos estados que, em séculos passados, pertenceram e depois "despertenceram" a outros estados. São Paulo já pertenceu ao território do Rio de Janeiro, a cujo governo “ficou sujeito, tanto administrativamente como no Judiciário”, como anotou Ildefonso Escobar. Mais: São Paulo já foi também do território da Bahia, de cujo governo “ficou dependente”.

Por sua vez, o Paraná já pertenceu ao estado de São Paulo.

Partes dos territórios de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso já foram de São Paulo.

A capital paranaense, Curitiba, e o estado de Santa Catarina já foram paulistas.

São Paulo também já foi e "desfoi" do território do Rio de Janeiro, em um puxa-encolhe que, como sanfona, resfolegou, veio e voltou do século 16 ao século 18.

Isto posto -- e é só uma amostra... --, dever-se-ia aplicar a lógica das sucessivas mudanças de naturalidade ao sabor e ao longo desses processos de redivisão e endodivisão? Faz sentido isso? Ora!... Uma hora determinado território é de município ou estado ou país "X", outra hora passa (ou pode passar) a pertencer a município, estado ou país "Y".

Então, ninguém está seguro de sua naturalidade. Haja tempo, esforço e outros recursos para a revisão de certidões de nascimento e atestados de óbito...

É... Pelo visto, corre-se o risco de não sabermos em que terra nascemos.

E, pior, não teremos nem onde cair mortos...



EDMILSON SANCHES
esanches@jupiter.com.br

Um comentário:

  1. Sanches como sempre arrasando nos textos. Enchendo nossos olhos de brilho e nossa alma de orgulho por ter nascido nessa cidade maravilhosa.

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