quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O escultor caxiense, Celso Antônio Silveira de Menezes



Justiça para um grande artista
Como simples testemunha do meu tempo, considero um absurdo que até hoje, final de 1989, um artista do valor e da importância de CELSO ANTÔNIO não tenha tido ainda o reconhecimento que merece. É sabido que a morte impõe um período de silêncio, como se entre a posteridade e o morto ilustre fosse necessário fazer uma reflexão para reavaliar o que significou de fato a sua contribuição para a cultura nacional.
Quem quer que tenha interesse pelas artes e pelas letras no Brasil sabe a importância de CELSO ANTÔNIO. Nem é preciso ter sido seu contemporâneo, ou ter acompanhado, mesmo à distância, o itinerário que o artista percorreu. Não lhe faltou sequer o sal da grande controvérsia, quando sua arte foi vítima da incompreensão e da burrice.
CELSO ANTÔNIO, tendo vivido e trabalhado num momento de renovação cultural em todas as frentes, foi um grande artista inovador. Com um temperamento discreto, alheio ao marketing das celebridades de 15 minutos, o grande artista teve ao seu lado as melhores inteligências e sensibilidades de seu tempo. Bastaria citar três grandes nomes, entre seus fervorosos admiradores : Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Rodrigo M. F. de Andrade.
Tudo que se fizer em favor de CELSO ANTÔNIO, a partir de agora, é justo e oportuno. Chega tarde, mas ainda chega a tempo de saldar uma dívida que o Brasil tem para com esse extraordinário artista, que conheci, admirei e defendi, quando foi vítima da agressiva estupidez dos que se trancam na rotina e no ar viciado do pior academicismo.
Otto Lara Resende
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1989

UM GÊNIO ESQUECIDO - CELSO ANTONIO E O MODERNISMO


Por  Eliézer Moreira Filho

Celso Antonio Silveira de Menezes, nasceu na cidade de Caxias, no Maranhão, em 1896. Perdeu a mãe aos quatro anos de idade, quando passou a viver com o pai e a avó. Com a mudança de residência do pai, o acompanhou à cidade de Belém do Pará. Ali, não tendo como desenvolver seu talento, emigra só e temerariamente para o Rio de Janeiro, cidade onde não possui parentes nem amigos mais chegados. Passa dificuldades, dorme em bancos de praça. 

Apresenta-se ao seu conterrâneo Coelho Neto com uma modelagem da cabeça de Eça de Queiroz. Duvidando que o jovem conterrâneo tivesse o domínio escultural expressado naquela amostra, para experimentá-lo, encomenda-lhe o busto de Camilo Castelo Branco e o resultado é tão surpreendente, que manda reproduzi-lo em bronze e o mantém sobre sua mesa.

A partir daí, o jovem escultor encontra um amigo que o recomendará e o ajudará durante sua vida artística. Logo consegue do Governador Urbano Santos, do Maranhão, uma bolsa de aperfeiçoamento que lhe dá ensejo de viver e dedicar-se a escultura com mais tranquilidade. 

Na sua permanência na Capital da República frequenta o curso livre de escultura da Escola Nacional de Belas Artes e participa de seus concursos, sendo agraciado com uma Medalha de Ouro, por sua obra intitulada APrimeira Lágrima. Frequenta, por pouco tempo, o ateliê de escultura de Rodolfo Bernardelli. Já com alguma projeção na imprensa, faz repetidas viagens ao Maranhão, quando produz várias esculturas de vultos maranhenses, como Antonio Lobo, Urbano Santos, Aluísio Azevedo, Arthur Azevedo, entre outros. Recebe, na capital maranhense, durante suas sucessivas viagens, copiosos elogios de jornalistas e intelectuais da cidade, como Antonio Lopes, Domingos Barbosa, Reis Perdigão, entre outros. Casa-se no Rio, em 1921, com Leonor Tommasi, união que perdurará por quatorze anos.

Capítulo II – Fase Parisiense

Instado por escritores maranhenses de prestígio nacional, o Governador Godofredo Viana, do Maranhão, concede-lhe uma Bolsa de Estudos para a França. Embarca para Paris, acompanhado da esposa em 1923. Lá integra um circulo de intelectuais e artistas brasileiros, como Di Cavalcanti, Villa-Lobos, Anita Malfatti, Brecheret, Tarsila do Amaral, entre outros. Freqüenta a Academia de La Grande Chaumiére, onde se aperfeiçoa. É descoberto por Emile Antoine Bourdelle, consagrado escultor francês, então no auge da fama de renovador da escultura moderna. Como assistente de Bourdelle, Celso Antonio participa de várias obras na Europa, e seu nome obtém reputação. Corresponde-se com amigos intelectuais brasileiros, como Coelho Neto, Dante Milano, Conde Affonso Celso, Ribeiro da Costa. Em Paris, nasce-lhe a filha Sandra.

Capítulo III – Retorno ao Brasil

Alegando contingenciamento de despesas o Governador do Maranhão, Magalhães de Almeida, cancela a bolsa anteriormente conferida pelo Governador Godofredo Viana. Sem condições de manter-se na França, retorna Celso Antonio ao Brasil em 1926, antecedido de amplo noticiário na imprensa dando conta de seu valor. Trás uma carta de Bourdelle na qual o pai da escultura moderna faz-lhe consideráveis elogios. Fixa-se temporariamente no Rio de Janeiro, quando esculpe o busto do amigo Graça Aranha.

Capítulo IV – Fase Paulista

Recomendado por Di Cavalcanti, seu amigo de Paris, transfere residência para São Paulo e confecciona o Monumento do Café. Tal monumento é solenemente inaugurado em Campinas, quando das celebrações do transcurso de duzentos anos da introdução do café na economia de São Paulo (1727 – 1927). 

Daí vê-se conhecido e recebe encomendas de importantes figuras do mundo paulista. Confecciona o belo monumento tumular de Lydia Piza de Rangel Moreira, do 12º Presidente do Estado de São Paulo, Carlos de Campos, e da família Isola no Cemitério da Consolação, na capital paulista. 

Hoje, tais monumentos estão tombados pelo Serviço de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Relaciona-se com líderes modernistas, entre os quais, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Warchavchick, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Anísio Teixeira. Para se entender a importância dos modernistas na vida artística e intelectual do país, o Ensaio procede a uma ampla caminhada pelo entorno do movimento em São Paulo, berço do modernismo brasileiro.

Capítulo V – Fase Nacional

(...) 

Anos mais tarde, sensível à importância que Celso Antonio adquirira no julgamento dos intelectuais (Drumond, JB, agosto de 1984), coube ao Ministro Capanema chamá-lo para fazer as esculturas que adornaram boa parte do Ministério. Foi um momento de consagração, ao participar do histórico grupo de genialidades envolvido na construção do Ministério da Educação e Saúde Pública: ele mesmo, Le Corbusier, Lúcio Costa, Portinari, Oscar Niemeyer, Bruno Georgi, Liptischitz, Adriana Janacópulos, Carlos Drumond de Andrade, Roberto Burle Marx, o próprio Ministro Gustavo Capanema, dentre outros. 

A sede do Ministério expressou um paradoxo: foi a representação formal e espacial de um sistema de valores democráticos no seio de uma ditadura. Capanema teve carta branca de Getúlio Vargas. Assim, fez sua própria revolução no mundo cultural da época. Nomeou artistas e intelectuais das mais diversas ideologias e manteve-se ao largo da arquitetura oficial estadonovista. Algum dia se explicará a razão do prestígio de Capanema junto ao Presidente Vargas. 

A concepção arquitetônica do Ministério da Educação e Saúde Publica foi inicialmente muito criticada. Denominaram-na de Capanema-Maru, numa alusão aos navios que traziam os imigrantes orientais, até que o arquiteto-chefe do Museum of Modern Art of New York, Philip Goodwin, visitou o Brasil a frente de um grupo de arquitetos ingleses e americanos e considerou o prédio do Ministério como o mais avançado das Américas. Os jornais que o criticavam passaram a chamar o edifício de “obra notável da moderna arte brasileira”. 


Capítulo VI – Estátua do Trabalhador

Trabalhador mulato, forte, lábios grandes, sem camisa, avental de lona


O Ministro Honório Monteiro, do Trabalho, no governo Eurico Dutra, encomendou-lhe uma estátua a ser entronizada em frente do Ministério do Trabalho, no dia do trabalhador. Celso Antonio viu a oportunidade para expressar suas idéias e conceitos sobre a arte moderna. Traduziu na representação do homem brasileiro o seu trabalhador. Ao contrário do gosto das pessoas de então, cujo senso estético exigia uma representação idealizada e helenística da figura humana, Celso adotou, em oposto, a realidade do biotipo brasileiro. 

Seu trabalhador, que gerou uma considerável controvérsia, é representado por uma figura de três metros de altura, em pedra, atarracada e compacta, monolítica, despida das sinuosidades e da leveza do ideal grego, distante dos cânones clássicos. O resultado: uma figura típica do modernismo que na pintura consagrou Portinari, Di Cavalcanti e outros. A estátua foi simbolicamente inaugurada na Av. Presidente Antonio Carlos em frente ao prédio do Ministério do Trabalho, no centro do Rio, em 1950, com a presença do Presidente da República, Eurico Dutra, que ao vê-la externou seu veredicto: não gostei. Pouco depois ela era retirada do seu pedestal e desterrada para um depósito. 

A imprensa desancou a obra, seu autor, o ministro e o governo que a inaugurou, apesar da veemente reação em contrário de ilustres figuras ligadas às artes, especialmente intelectuais paulistas. Confinada a um terreno cercado de tapumes a estátua hibernou por longo tempo, surrupiada aos olhares humanos. Enfim, atendendo ao apelo da comunidade do Barreto, em Niterói, a municipalidade a resgatou, a limpou e a assentou defronte da Escola Monteiro Lobato. 

Para Celso Antonio a arte moderna não deve procurar o rebuscamento, a sinuosidade ou a literatice das figuras, o que ele designa por dinamismo. O artista trata de fixá-las como realmente são no momento da criação. E lhes dá personalidade, gerando nelas uma identidade. O trabalhador, ele o fixou como realmente o conhecia. Até hoje se discute se o artista deve reproduzir a realidade como ela é ou se deve buscar a idealização da natureza, como propugnava Platão. Atreveu-se Celso Antonio a confrontar tais medidas estéticas herdadas de culturas exógenas. Ele não se apegou à figura ideal, e sim à realidade como a via. 

Sua intransigência na defesa de seus conceitos não permitia que ele se dobrasse ou transigisse com suas ideias. A cultura universal reconhece hoje os conceitos da arte americana, e nesta a mexicana, a sul-americana e também a asiática, a africana e a da Oceania, que cultuam essências estéticas e culturais muito próprias e nada têm em comum com as obras clássicas.


Capítulo VII – Declínio e Obscuridade

Carlos Drummond de Andrade, no necrológio publicado no Jornal do Brasil, de 31/05/1984, quando do falecimento de Celso Antonio, noticiou, após tecer longo comentário acerca da vida e obra do escultor maranhense: Falecido no último sábado, Celso Antonio merece ser redescoberto e analisado criticamente como uma das expressões mais fortes da escultura brasileira. É o que tento fazer com este Ensaio. 

Após o acontecimento com a Estátua do Trabalhador, Celso Antonio recolheu-se à vida doméstica, prosseguindo seu trabalho artístico em pequenas esculturas, desenhos a guache e aquarela. Oscar Niemeyer, ouvido sobre esta singular figura, assim se expressou: Conheci Celso Antonio no tempo de Capanema, durante a construção do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde. Apreciava suas intransigências de artista, tão honestas e radicais que, acreditamos, influíram nos problemas de trabalho que nos últimos anos o envolveram.

As intransigências do artista eram as intransigências que preservavam a natureza de sua obra, sempre austeramente autênticas com o caráter do seu estilo, sem condescender com os modismos da época, com a vontade dos mecenas quando contrariava seus dogmas, nem com as pressões de intelectóides passageiros. 

Celso Antonio teve no opúsculo da vida a companhia de Dirce Barros e dos filhos desta. O filho, de nome Alexandre Peri Barros. cuida com muita atenção e carinho do espólio artístico de quem ele chama de avô. Um ano antes de sua morte foi procurado pelos representantes do Projeto Portinari – Depoimentos, quando escreveu de próprio punho um depoimento a respeito de Portinari, que está transcrito no Ensaio. O Clube da Medalha, da Casa da Moeda do Brasil, o procurou para esculpir uma medalha comemorativa da escultura brasileira. O que fez, com a efígie da Estátua do Trabalhador.

O Maranhão esqueceu-se dele. Foi resgatado na década de 90, pelo livro Arte do Maranhão 1940 – 1990, editado pelo Banco do Estado do Maranhão, hoje extinto. Já agora, no século 21, foi publicado um ensaio de autoria de Francisca Flames de Lima, intitulado A Temática Feminina na Obra Escultórica de Celso Antonio de Menezes, que procura resgatar a memória de tão insigne figura artística.

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Texto de autoria do escritor maranhense Eliézer Moreira Filho.  Autor dos livros "Memórias de Meu Tempo" e "Histórias Que Os Jornais Não Contaram" e também "Um Gênio Esquecido - Celso Antonio e o Modernismo"
Disponível http://eliezermoreirafilho.blogspot.com.br/2012

Um comentário:

  1. Celso Antonio numca teve o merecido reconhecimento de grande gênio que foi, um dos maiores escultores brasileiro esquecido pelo tempo mais imortalizado pelas sua obras que resistirão ao tempo.

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