quarta-feira, 27 de maio de 2015

“Caxias, A Princesa do Sertão Maranhense”




Em 1858,  o bispo de São Luis, Dom Manoel Joaquim Silveira, proferiu na Igreja de São Benedito, o sermão “Caxias, A Princesa do Sertão Maranhense”, que se tornou histórico e deu à cidade o titulo que a destaca como a mais bela entre as cidades do Sertão Maranhense.



terça-feira, 26 de maio de 2015

RIO, 450 ANOS - E O MARANHÃO COM ISSO? (A CIDADE MARAVILHOSA E O ESTADO MARAVILHOSO)



Na página principal de apenas um “site” de notícias no dia 1º de março de 2015, a expressão “Cidade Maravilhosa” aparece pelo menos sete vezes em manchete e títulos de textos (como, por exemplo, no endereço eletrônico http://noticias.uol.com.br/rio-de-janeiro, às 9h12 daquela data). “Cidade Maravilhosa”, como se sabe, é uma figura de linguagem (autores nominam como perífrase, antonomásia, epíteto...) para denominar a cidade Rio de Janeiro, capital do estado brasileiro de mesmo nome.


Essa expressão — “Cidade Maravilhosa” —, de tanto que “pegou”, é nome de música (de 1934, depois considerada hino oficial do município carioca: “Cidade Maravilhosa / cheia de encantos mil...”), nome de programa de rádio, título de livro (tenho um exemplar de obra com esse nome, do começo da década de 1920, de autoria de Olegário Mariano, pernambucano que morava no Rio). Enfim, no Brasil e no mundo, é automático: “Cidade Maravilhosa” é sinônimo de “Rio de Janeiro”. Um septassílabo por um tetrassílabo, sete sílabas por quatro, 17 letras por 12.


Pois bem: com bastante antecedência a grande Imprensa (rádio, jornal, televisão, “sites”), sobretudo a do Sudeste, vinha fazendo e divulgando matérias sobre o Rio de Janeiro e seus 450 anos. Invariavelmente, a expressão “Cidade Maravilhosa” está ali, naquelas matérias. “Cidade Maravilhosa” é a expressão-alma que dá “vida” ao nome-corpo “Rio de Janeiro”. 

O que até agora não vi, não li, não escutei foi a referência, mínima que pudesse ser, a quem é o autor da expressão “Cidade Maravilhosa” como perfeita substituta, dublê de corpo e alma de “Rio de Janeiro”.


Pois o autor do epíteto/perífrase/antonomásia/metonímia foi um maranhense multitalentoso — como o eram os diversos maranhenses, sobretudo escritores, que, individualmente ou com a família, se mudaram para a antiga Capital Federal, o Rio, em especial no século 19.

O autor da expressão “Cidade Maravilhosa” é o maranhense de Caxias Henrique Maximiano Coelho Netto, que surpreendeu e encantou o Brasil com suas dezenas e dezenas de livros e milhares e milhares de textos e foi eleito, em votação popular, o “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”.


O Maranhão de hoje não sabe fazer jus aos maranhenses talentosos de ontem. O Maranhão não se autorreconhece. Não adotou um pingo de sadia ousadia, de criativa audácia, para (im)pôr-se em seu lugar no concerto da Federação. Falando no geral, pergunte-se a um estudante maranhense ou a um outro cidadão a escalação do seu time de futebol (geralmente paulista ou carioca) e ele lhe poderá detalhar até como deram os passos e passes que culminaram no terceiro gol do segundo tempo do primeiro turno do ano de dois mil e lá vai fumaça. Genial. Louvável. É o amor ao futebol.

Agora, pergunte-se que (enorme) diferença fez no Brasil ou no mundo escritores, cientistas, artistas e políticos nascidos em muitos casos nas brenhas da hinterlândia maranhense, muitas das vezes com todas e aparentes pré-condições para darem errado na vida, pela soma de fatores socioeconômicos, educacionais, familiares, territoriais...

Maranhenses que causariam orgulho aparente, explícito, e não apenas latente, potencial, a cidades como Paris, a países como a França... Mas esses nossos irmãos não mereceram até hoje dos setores Público e Privado um conjunto de ações sistêmicas e sistemáticas, orgânicas e organizadas para, até mesmo, (re)validar nossa “fama” de “Atenas Maranhense” e (re)ativar ou inspirar espíritos conterrâneos para os valores e validade da Cultura, da Arte, da Educação, do Conhecimento, da Ciência, da Literatura, da (boa) Política.

Dá vergonha ou, mais ainda, tristeza, saber o tanto de esforço, tempo, talento e outros recursos que homens e mulheres maranhenses despenderam em nome de uma coisa, em defesa de uma causa. Maranhenses que têm recebido muito mais reconhecimento e homenagens em solo não maranhense do que na própria terra que os viu nascer.


No dia dos 450 anos do Rio de Janeiro o Maranhão poderia estar saudando a antiga capital brasileira em peças publicitárias copatrocinadas, em textos assinados, em matérias jornalísticas, onde se destacasse o talento maranhense ou do maranhense Coelho Netto como autor da expressão “Cidade Maravilhosa” e se resgatasse ou se reafirmasse a identidade ou coirmandade maranhense e carioca, a partir mesmo da enxurrada de ações e realizações de foram agentes os muitos e talentosos maranhenses que tiveram o Rio como segunda terra em sua vida.

Poucos estados ombreiam-se com o Maranhão na quantidade e qualidade de seus filhos de destaque. MANOEL ODORICO MENDES, escritor, político, tradutor, é o precursor no Brasil da moderna tradução criativa. Sua tradução das obras de Virgílio e Homero são até hoje objeto de estudos e elogios. A Unicamp (Universidade de Campinas) e seu Instituto de Estudos da Linguagem têm , permanente, o “Projeto Odorico Mendes”. Odorico Mendes é nome de rua no Rio de Janeiro e é bisavô de Maurice Druon, famoso escritor francês, decano da Academia Francesa, falecido em 2009.

TEÓFILO ODORICO DIAS DE MESQUITA, advogado, jornalista, escritor, é patrono da Academia Brasileira de Letras e autor da obra responsável pelo Parnasianismo no Brasil.
JOAQUIM DE SOUSA ANDRADE DE CAUKAZIA PEREIRA, o Sousândrade, escritor vanguardista, formado em Paris, é autor de obra tida como das mais originais e instigantes do Romantismo no Brasil. 

JOÃO MENDES DE ALMEIDA, advogado, jornalista, líder abolicionista, escritor, foi o maranhense redator da Lei do Ventre Livre e é considerado o jornalista mais completo do Brasil de todos os tempos. A Ordem dos Advogados do Brasil paulista lançou sua obra jurídica. João Mendes mereceu busto e praça com seu nome na maior cidade brasileira, São Paulo, além do nome de seu filho, João Mendes de Almeida Júnior, dado ao fórum paulistano... No Maranhão, quem sabe disso?, quem o estuda?, que escola ou rua ou praça recebe seu nome?, que homenagens lhe são creditadas?, que honrarias lhe são, mesmo pós-morte, atribuídas?

ADERSON FERRO, odontólogo, formado em Paris, considerado “Glória da Odontologia Nacional”, autor de obra pioneira nessa Ciência. Quanto ao Maranhão, deixa-nos de boca aberta o desconhecimento e o não esforço para reassumir a maternidade desse ilustre filho, reconhecido e homenageado em outros lugares — mas não aqui.

JOAQUIM GOMES DE SOUSA, o Sousinha, matemático, escritor, tradutor, estudou Matemática e Medicina (em que se doutorou) na Europa. É considerado o primeiro físico e matemático brasileiro e, segundo alguns, o maior matemático do Brasil até hoje. Também surpreendeu a Europa com seus vastos conhecimentos nas ciências dos números e cálculos.

HENRIQUE MAXIMIANO COELHO NETTO, eleito “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, entre tanta coisa que legou ao Brasil, estão curiosidades como os títulos “Cidade Maravilhosa” para o Rio e “Cidade Verde” para Teresina, além de, desportista e capoeirista que era, ter sido o responsável pela elevação da capoeira no Brasil e pela criação da palavra “torcida” com o sentido de grupo de adeptos de um time de futebol. Seu filho João, apelidado “Preguinho”, foi o autor do primeiro gol da Seleção Brasileira de futebol em Copa do Mundo.

MARIA FIRMINA DOS REIS é considerada a primeira romancista brasileira. Seu primo, FRANCISCO SOTERO DOS REIS, é autor de monumental obra de estudos filológicos (Língua Portuguesa).

ANTÔNIO GONÇALVES DIAS é introdutor do Indianismo na Literatura brasileira, autor de decantados livros e dos mais declamados e citados versos da Poesia brasileira: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / ...”. Quem canta o Hino Nacional Brasileiro também canta Gonçalves Dias e o Maranhão, pois a mais importante composição musical do país tem versos desse maranhense de Caxias.

RAIMUNDO DA MOTA DE AZEVEDO CORREIA, magistrado, professor, diplomata, escritor, membro fundador da Academia Brasileira de Letras, é autor maranhense citado e recitado pela beleza de seus versos e importância dentro do Parnasianismo e Simbolismo brasileiros.

CELSO TERTULIANO DA CUNHA MAGALHÃES é o maranhense pioneiro do estudo do folclore no Brasil, responsável pelo lançamento das bases metodológicas do folclorismo nacional. Embora voltado mais para a poesia popular, seu trabalho se estendeu também pelo teatro, a poesia, a ficção e a crítica.

HUMBERTO DE CAMPOS VERAS, escritor, jornalista, político, da Academia Brasileira de Letras, é autor de volumosa obra, conhecida e reconhecida por muito tempo.

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE (seu pai era do Ceará; sua mãe, maranhense) é o poeta e músico autor do que é considerado o “hino nacional sertanejo”, a poesia e música “Luar do Sertão” (quem não lembra de “Não há, ó gente, ó não, / luar como este do sertão (...)”, música gravada por, entre outros, Luiz Gonzaga, Vicente Celestino e Maria Bethânia. Trata-se da primeira música sertaneja gravada no Brasil — e o que o Maranhão faz com esta informação, nestes tempos de proliferação da música dita “sertaneja”? Além disso, Catulo, que foi relojoeiro no Rio e parceiro de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, é considerado o responsável pela reabilitação do violão nos salões da alta sociedade carioca e pela reforma da “modinha”, uma espécie de canção espirituosa ou amorosa.
E os talentosos irmãos Azevedo?

ALUÍSIO TANCREDO BELO GONÇALVES DE AZEVEDO, escritor, diplomata, jornalista, caricaturista, desenhista e pintor, que lançou no Brasil o Naturalismo, com seu romance “O Mulato”, de 1881.

ARTUR NABANTINO GONÇALVES DE AZEVEDO, mais velho que Aluísio, dramaturgo, poeta, contista, crítico, jornalista brasileiro, é no Brasil o principal autor do gênero teatral chamado “teatro de revista”, que traz números musicais com sensualidade e comédias com críticas políticas e sociais. Foi o maranhense Artur Azevedo o responsável pela criação da lei que obrigava a construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro — inaugurado, aliás, com uma peça do igualmente maranhense Coelho Netto. Ambos os irmãos moraram no Rio e foram sócios fundadores da Academia Brasileira de Letras.

ADELINO FONTOURA CHAVES, jornalista, ator e poeta, maranhense que é o patrono da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras. Sua obra precisa ser divulgada, conhecida...

ODYLO COSTA FILHO, jornalista, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, chefiou redações de publicações importantes no Rio de Janeiro e São Paulo, sendo responsável pela renovação do jornalismo brasileiro a partir da modernização do “Jornal do Brasil”, hoje extinto. Poucos sabem que Odylo foi primeiro diretor da revista de reportagens “Realidade”, da Editora Abril, empresa da qual também foi membro do Conselho Editorial.

CELSO ANTÔNIO SILVEIRA DE MENEZES, pintor, escritor e professor brasileiro, considerado um dos maiores escultores do modernismo brasileiro. Amigo de Di Cavalcanti, Cândido Portinari, mereceu os melhores reconhecimentos de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e, entre outros, Otto Lara Resende, que escreveu um manifesto onde escreve, textualmente: “(...) considero um absurdo que até hoje, no final de 1989, um artista do valor e da importância de Celso Antônio não tenha tido ainda o reconhecimento que merece”. E o Maranhão, que faz, que diz?

SINVAL ODORICO DE MOURA, magistrado e político, um raro caso de alguém que foi governante de quatro estados no Brasil.

RAIMUNDO TEIXEIRA MENDES, cuja luta em prol das causas sociais, a partir do Rio de Janeiro, inundou o país de benefícios, como direitos da mulher, do jovem trabalhador, a hoje Funai (Fundação nacional do Índio), a separação Igreja—Estado... Entre tantas “coisas” que fez e foi, é um dos principais nomes do Positivismo (aqui e no mundo) e é autor da Bandeira Brasileira. Não fosse Teixeira Mendes e correríamos o risco de ter, como nossa, a bandeira dos Estados Unidos... pintada de verde e amarelo.

CÉSAR AUGUSTO MARQUES, múltiplo talento de médico atuante, pesquisador incansável, escritor e historiador, autor de obras inaugurais da historiografia maranhense e brasileira.

ANDRESA MARIA DE SOUSA RAMOS, estudada por escritores, sociólogos e antropólogos brasileiros e estrangeiros, é a Mãe Andresa, sacerdotisa de culto afro-brasileiro de renome internacional, última princesa da linhagem direta fon, que comandou durante 40 anos a Casa de Mina em São Luís, até morrer em 1954, aos cem anos de idade. 

O grande UBIRAJARA FIDALGO DA SILVA, o primeiro dramaturgo negro brasileiro, ator, diretor, produtor, bailarino, apresentador de TV e criador do Teatro Profissional do Negro, reconhecido e homenageado nos grandes centros brasileiros como Rio de Janeiro e São Paulo. Enquanto isso, no Maranhão, quem sabe da existência de tamanho talento, falecido em 1986, no Rio de Janeiro? Quem do Maranhão já patrocinou montagem de suas peças, a edição de seus textos, encenados e inéditos? Qual autoridade bancou uma exposição sobre seus trabalhos, a exibição de documentários sobre Ubirajara Fidalgo, desconhecido em vida pelos caxienses e não reconhecido após a morte, e cuja filha, a cineasta Sabrina Fidalgo, luta pela preservação e divulgação da obra de seu pai e nosso conterrâneo?
No Maranhão nasceram

CÉSAR FERREIRA OLIVEIRA, “revolucionário constitucionalista” em São Paulo e “Herói da Guerra de Canudos”, e JOÃO CHRISTINO CRUZ, criador do Ministério da Agricultura, agrônomo que fez estudos em outros países e é o presidente de honra da Sociedade Nacional de Agricultura.

ANTÔNIO CARLOS DOS REIS RAYOL, compositor, tenor, violinista e regente brasileiro, que já aos 13 anos ensinava música, tirou primeiros lugares, foi para a Itália e tem obra ainda a ser, digamos, “popularizada”. Assim também ELPÍDIO PEREIRA, maestro e músico de renome internacional, autor do hino de sua cidade natal, Caxias, estudou e apresentou-se na França e em diversos estados brasileiros. A obra elpidiana é publicada em livro por outros estados. No Maranhão, musicalmente, ninguém (se) toca.

JOÃO LOPES DE CARVALHO, pintor e desenhista, que estudou sua arte em Portugal, onde, por seu grande talento, já aos 16 anos, em 1862, foi elogiado por muitos jornais de Lisboa. Sua arte era de tal qualidade que um de seus quadros ele recusou-se a vender, para doar para o Imperador patrono das Artes.

JOAQUIM ANTÔNIO CRUZ foi médico, militar e político e participou da demarcação de fronteira do Brasil com a Argentina e votou pela lei que terminou por abolir os castigos corporais nas Forças Armadas.

JOSÉ ARMANDO DE ALMEIDA MARANHÃO, teatrólogo, escultor, caricaturista, considerado “A Pedra Angular do Teatro Paranaense”. Estudou na Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Portugal, Espanha, Suíça, Bélgica e Holanda e teve aulas com nomes notáveis do Cinema e das Artes Cênicas, como Luchino Visconti, Federico Fellini, Roberto Rosselini, Michelangelo Antonionni, Lawrence Olivier, entre outros.

Até onde iríamos nesse desfile de grandes nomes maranhenses que em geral nós maranhenses deles pouco sabemos, ou não sabemos? A quantidade de nomes é tal que dobraríamos as esquinas da paciência e testaríamos o limite de páginas de papel e espaços digitais.

Ainda assim, ao que parece, maior que o rol de nomes, maior que esse escondido e escuro “hall” da fama, parece ser a desvontade, o desamor, o “nem te ligo” a que o Maranhão submete esses e outros maranhenses. Há, sim, plenas condições (potenciais e a serem construídas) para se reavivar a estrela do Maranhão na constelação de grandes, ilustres, úteis, talentosos nomes que fizeram positiva diferença para este país e lhe ajudou a construir ou fixar a identidade, a brasilidade, a maranhensidade. Nestes 450 anos do Rio de Janeiro, podemos dizer que o Rio é brasileiro, mas a Cidade Maravilhosa... é maranhense.

Essa coleção de nomes forma um patrimônio simbólico, um potencial da Economia Criativa, um capital intelectual fantástico que não pode ser deixado assim, no desperdício, na não recorrência, no esquecimento. Programas, projetos, ações factíveis podem ser desenvolvidos, adotados, para estar permanentemente presentes nas escolas e universidades públicas e, quiçá, particulares do Estado; podem, com o devido “estímulo”, ser pautas permanentes da Imprensa maranhense, brasileira e, até, internacional; podem ser temas de concursos, objeto de estudos, de pesquisas, de obras de estudiosos, pesquisadores, autores, alunos, professores...

Enfim, podem saudavelmente ocupar a mente de maranhenses e brasileiros, levando multidões a ampliarem ainda mais o salubre e incontido orgulho de ser maranhense e brasileiro.

(Este réquiem é lançado para pessoas que, como Moisés, saibam falar do que outros não falam, saibam enxergar onde outros não enxergam, saibam fazer onde tantos esqueceram...).

EDMILSON SANCHES
edmilsonsanches@uol.com.br


segunda-feira, 18 de maio de 2015

18 de Maio: Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Um texto que nos faz refletir
     


A maior tragédia dessa história é que as crianças confiam nos adultos. Confiam como uma bússola ou um oráculo. Agarram-se a seus atos e palavras como uma boia no oceano ameaçador de uma vida a qual recém foram apresentadas. A menina confia no PAI quando ele diz que vai chupar seus seios, que ela ainda não tem, porque a ama. E confia nele também quando afirma que vai matar toda a família se contar para alguém sobre o ‘carinho’ que recebe.


Confia na MÃE quando é chamada por ela de vagabunda e confia também quando ela garante que a criança será um nada na vida. Confia no PADRASTO quando ele apaga cigarros no seu corpo porque foi um menino muito mau e confia também quando ele bate a sua cabeça contra a parede porque não suporta o choro de sua dor. As crianças confiam nos adultos quando eles as espancam, as violam, as torturam e as matam.

A maior tragédia dessa história não se encerra na família. Quando finalmente a criança consegue pronunciar o tamanho da infâmia a qual é submetida, ela continua confiando nos adultos. Confia na PROFESSORA quando conta que não consegue parar sentada na cadeira porque o tio botou o ‘pipi’ na sua bundinha e sangrou. Confia quando sussurra que não quebrou a perna caindo da árvore como a família contou ou que aquela mancha roxa na bochecha não foi resultado de um soco de um colega. E morre um pouco mais quando a professora diz que isso não passa de história de criança mal-educada.

Confia no CONSELHEIRO TUTELAR quando conta que vende o corpo na rua porque já foi violado em casa. E confia nele também quando afirma que senão levar dinheiro para o casebre onde mora vai apanhar a relho. E morre um pouco mais quando tudo o que o conselheiro pode lhe oferecer é uma vaga numa instituição onde sabe que será currado pelos mais velhos.

Confia no MÉDICO e na ENFERMEIRA a quem abre as chagas de seu corpo a custo sem medidas. E confia na ASSISTENTE SOCIAL e no PSICÓLOGO a quem escancara o coração até então encarcerado pelas chaves do silêncio. E morre um pouco mais quando o ‘sigilo ético’ é usado como explicação para zeloso profissional não levar o caso adiante.

Confia no JUIZ quando pede que limpe a cera do preconceito e a escute. E confia nele também quando implora que preste mais atenção em evidências invisíveis, mas que sagram, do que no laudo inconclusivo e estéril do Departamento Médico Legal. E morre em definitivo quando o senhor togado do seu destino sentencia que não há provas materiais para condenar seu algoz. Ou que, apesar de seus 12 anos, era bem resolvida e esperta para seduzir seu estuprador.

A maior tragédia dessa história é que as crianças confiam nos adultos. São jovens demais para adivinhar que nos tornamos cegos, surdos e mudos. São puras demais para saber que preferimos conjugar o verbo ignorar ao verbo agir. São inocentes demais para compreender que somos uma sociedade autofágica, que, ao matá-las, destruí-las ou violá-las, nada mais faz que se imolar. A maior tragédia dessa história é que as crianças só podem contar com os adultos.

Aos algozes da inocência sobra o argumento de que um dia, quase certamente, também eles foram vítimas nas mãos familiares de um carrasco. E a nós, que escutamos seus gritos na rua, no consultório, no conselho ou tribunal, qual é a desculpa que nos resta?

Ou passamos a merecer a confiança da criança que nos estende a mão ou a tragédia é tudo o que nos restará.



Autora: Eliane Brum
In: AMENCAR. Violência Doméstica
Brasília: UNICEF, 2000

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Contribuições do escritor caxiense Coelho Neto para o Esporte Brasileiro - Por Francisca Girlene


 Já escrevi mais de 100 livros e ainda sou apontado na rua como o pai do Preguinho.” (C.N.) 

O caxiense Henrique Maximiano Coelho Neto, considerado o “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, tinha apenas seis anos de idade quando seu pai, Antônio da Fonseca, decidiu mudar com toda a família para o Rio de Janeiro por causa de perseguições políticas aqui no Maranhão. 


Em terras cariocas, Coelho Neto estudou, casou e fez a vida literária. Além de brilhante escritor, era um desportista visionário e torcedor apaixonado pelo Fluminense Futebol Clube. Coincidência ou não, a ele foi atribuída, pelo cronista e jornalista esportivo brasileiro Luiz Mendes, a autoria das expressões “torcida” e “torcedor” como forma de apoiar e estimular a equipe em uma partida de futebol: 

“[…] No começo do futebol, ir ao estádio era um ato de elegância, principalmente, no Fluminense. Por isso o Fluminense até hoje tem essa fama de clube aristocrático. As mulheres se enfeitavam como se fossem ao Grande Prêmio Brasil, colocavam vestidos de alta costura, chapéus, luvas. Mesmo que a temperatura na cidade estivesse por volta dos 40º graus, elas iam de luvas. Como o calor era muito grande, elas tiravam as luvas e ficavam com as luvas nas mãos, e como ficavam nervosas com o jogo, elas as torciam ansiosamente. Os homens usavam a palheta, um chapéu de palha muito comum na época, muito elegante e também ficavam com o chapéu na mão enquanto torciam. […] pois o Coelho Netto escreveu uma crônica em que ele usava a expressão “as torcedoras”, referindo-se às mulheres, e dali a expressão pegou e nasceu a “torcida”. Havia quem dissesse que torcida vinha do fato de as pessoas torcerem os fatos, de o torcedor torcer os fatos a favor de seu clube, mas não foi daí que o termo veio não. Apesar de que quem torce realmente torce as coisas e até distorce. Mas, na verdade, não foi por isso, foi mesmo pelo gesto das moças, principalmente, das que torciam as luvas entre as mãos.” (Mendes apud Barros, 2015). 

Tamanho era o envolvimento de Coelho Neto com o esporte que ele comprou uma casa e foi morar em frente ao clube tricolor. Escreveu hinos e diversas crônicas esportivas. Acreditava que a atividade física era uma forma de educar os jovens e fez de seus filhos grandes desportistas: 

* João Coelho Neto (o Preguinho) - conquistou 55 títulos pelo Fluminense, alcançando a marca de 387 medalhas em dez modalidades diferentes: remo, vôlei, basquete, pólo aquático, saltos ornamentais, atletismo, hóquei, tênis de mesa, natação e futebol. Como futebolista foi o autor do primeiro gol da Seleção Brasileira de Futebol em Copas do Mundo (Uruguai, 1930). 

* Violeta Coelho Neto - venceu vários campeonatos de natação pelo Fluminense Futebol Clube e pelo Clube de Regatas Guanabara. 

* Emmanoel (o Mano) - era titular do Fluminense, foi tricampeão carioca (1917, 1918, 1919) e campeão sul-americano (1919). Porém, um acontecimento trágico nos gramados acabaria encerrando prematuramente a vida do jogador. Em 1922, aos 24 anos, Mano disputava o campeonato carioca contra o São Cristóvão no estádio das Laranjeiras (Rio de Janeiro) quando recebeu uma pancada violenta no abdome, resultandono seu falecimento dias depois. 

* Paulo e Georges Coelho Neto - praticaram diversas modalidades esportivas, entre elas: atletismo, futebol e polo aquático. Quanto a Marieta (Zita) e Dina sabe-se apenas que brilhavam nos saraus do clube tricolor. 

Coelho Neto assistia a todas as competições dos filhos. Não satisfeito em ser apenas um mero torcedor, protagonizou a primeira invasão de campo na história do futebol em um clássico Fla x Flu no ano de 1916: 

“Em jogo disputado no dia 22 de outubro de 1916, o Flamengo vencia o Fluminense por 2 a 1 quando o árbitro R. Davies marcou um pênalti contra o time das Laranjeiras desperdiçado por Rienner. Logo depois, o juiz marcou outro pênalti contra o Fluminense. Sidney cobrou e Marcos de Mendonça defendeu. O juiz mandou cobrar outra vez alegando que não havia apitado. Sidney bateu e novamente Marcos de Mendonça defendeu. O árbitro mandou cobrar de novo, alegando que jogadores do Fluminense haviam invadido a área. Foi aí que o escritor Coelho Neto e o delegado de polícia Ataliba Correia Dutra pularam a grade e correram para o campo. Os torcedores também invadiram o gramado provocando a primeira anulação de um jogo no campeonato carioca.” (Revista Veja,2012). 

É fato que o escritor caxiense foi defensor ferrenho do futebol. Enfrentou com sabedoria a “Liga Contra o Foot-ball” liderada por Lima Barreto (1881-1922), e contribuiu significativamente para que o esporte se disseminasse entre todas as camadas sociais e tornasse a “Paixão Nacional” que é hoje. Mas a Capoeira também foi bastante defendida pelo escritor, que propôs inclusive que a capoeiragem, antes marginalizada, fosse ensinado nas escolas, navios e Forças Armadas: 

“A capoeiragem devia ser ensinada em todos os colégios, quartéis e navios, não só porque é excelente ginástica, na qual se desenvolve, harmoniosamente, todo o corpo e ainda se apuram os sentidos, como também porque constitui um meio de defesa pessoal superior a todos quantos são preconizados pelo estrangeiro e que nós, por tal motivo apenas, não nos envergonhamos de praticar. 

Todos os povos orgulham-se dos seus esportes nacionais, procurando cada qual dar primazia ao que cultiva. O francês tem a savate, tem o inglês o boxe; o português desafia valentes com o sarilho do varapau; o espanhol maneja com orgulho a navalha catalã, também usada pelo "fadista" português; o japonês julga-se invencível com o seu jiu-jítsu e não falo de outros esportes clássicos em que se treinam, indistintamente, todos os povos, como a luta, o pugilato a mão livre, a funda e os jogos d`armas.Nós, que possuímos os segredos de um dos exercícios mais ágeis e elegantes, vexamo-nos de o exibir.” (Coelho Neto apud Vaz, 2015). 


Em seu artigo intitulado “Coelho Neto era Capoeira” (2009), o professor Leopoldo Vaz faz referência ao escritor caxiense como um “exímio capoeira” e aborda nomenclaturas criadas por ele, inseridas no Código Desportivo Internacional de Capoeira (Legado de Coelho Neto - 1928, art. 12, parágrafo 3º),  como: Cocada, Grampeamento, Joelhada, Rabo de Arraia, Rasteira, Rasteira de Arranque, Tesoura, Tesoura Baixa, Baiana, Canelada, Ponta-pé, Bolacha Tapa Olho, Bolacha Beiço, Arriba, Refugo de Corpo, Negaça, Salto de Banda e Banho de Fumaça. 


Por fim, a história de Coelho Neto é digna de ser contada e recontada por todos nós, tantas foram as contribuições de nosso conterrâneo para as letras e para o esporte. Apesar de ter sido um dos escritores mais lidos e um dos homens mais influentes do Brasil (fim do século XIX e inicio do século XX), suas obras caíram no esquecimento do público. 

Sonho com o dia em que a casa onde nasceu esse importante escritor aqui em Caxias seja transformada em uma Biblioteca Pública de suas obras ou no Museu Coelho Neto. 


Referências Bibliográficas: 

ABL. Academia Brasileira de Letras. “Biografia de Coelho Neto”. . Acesso em: 07/05/2015. 

BARROS, Rodrigo. “Indubitavelmente, o Primeiro Torcedor Era Fluminense”. Disponível em: . Acesso em: 27/04/2015. 

CHALHOUB, Sidney; Neves, Margarida S.; Pereira, Leonardo A. M. História em cousas miúdas: capítulos de história social das crônicas no Brasil. Campinas: SP, Editora da Unicamp, 2005. 


COELHO NETTO Paulo. Bibliografia de Coelho Netto. Brasília: Ministério da Educação e Cultura – Instituto Nacional do Livro, 1972. 


FERNANDEZ, Renato Lanna. “Coelho Netto: Um Intelectual a Serviço do Esporte”. Disponível em:. Acesso em: 02/02/2015. 

MATTOS, Cyro de. “O Futebol nas letras brasileiras”. Disponível em: 

< http://www.cyrodemattos.com.br/dex.php?op=com_ent&view=article&id=196:o-futebol-nas-letras-brasileiras-&ca=46:artigos&Itemid=97>. Acesso em: 07/05/2015. 


NERES, José. “Coelho Neto: da Fama ao Esquecimento”. Disponível em: . Acesso em: 25/02/2015.

PORTO, Henrique Marques. “Ópera Sempre: Violeta Coelho Netto de Freitas”. Disponível em: . Acesso em: 16/05/2015.

PRESS, Gazeta. “ESPECIAL FLA-FLU: Uma Paixão Centenária”. Disponível em: . Acesso em: 23/04/2015.

SCHWARCZ L. M. Uma história de diferenças e desigualdades: as doutrinas raciais do século XIX. In: O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

VAZ, Leopoldo. “COELHO NETO – 150 ANOS”. Disponível em: . Acesso em: 28/04/2015.
________________. “Coelho Neto era Capoeira”. Disponível em: Acesso em: 06/05/2015. 

________________. “COELHO NETO E O ESPORTE… ou seria desporto?”. Disponível em: < http://www.blogsoestado.com/leopoldovaz/2011/02/22/coelho-neto-e-o-esporte-ou-seria-desporto/.>. Acesso em: 15/05/2015. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

05/01/1855: NASCE O CRIADOR DA BANDEIRA NACIONAL - Por C.S. Soares



É “a mais linda do mundo!”, exclamou Rui Barbosa[1] ao ver o primeiro exemplar da bandeira da nacionalidade, instituída pelo Governo Provisório da República no dia 19 de novembro de 1889. A expressão não traduziu apenas o estado emocional que lhe despertou a sua estética, mas, também o entusiasmo por seu simbolismo como imagem da Pátria.

Neste dia, em 1855, portanto há exatos 160 anos, nasceu o criador da nossa bandeira republicana, Raimundo Teixeira Mendes, na cidade de Caxias, no Maranhão (que também serviu de berço a Gonçalves Dias e Coelho Neto).


  Teixeira Mendes, “apóstolo da humanidade” e criador da bandeira republicana do Brasil.

Raimundo cursou humanidades no Colégio Pedro II e frequentou a Escola Politécnica e a Faculdade de Medicina. Nunca recebeu diploma algum, escolástico ou acadêmico, mas em todos esses institutos de ensino, ficaram célebres seu talento, cultura e caráter. Seu casamento, aos 27 anos, com D. Ernestina de Carvalho Teixeira Mendes, duraria até a morte da esposa, 30 anos depois.

Foi primeiro um fervoroso católico, depois um revolucionário, republicano e ateu. Afinal, converteu-se ao Positivismo Ortodoxo, do que se tornou no Brasil, um incontestável chefe, ao lado de Miguel Lemos[2].



Breve história da bandeira brasileira


Qualquer brasileiro ao avistar a nossa bandeira é dominado por imagens e sentimentos que lhe lembram que “os nossos céus têm mais estrelas, nossas várzeas mais flores, nossos bosques mais vida e nossa vida mais amores”[3]. Tudo isso tem um motivo. A história é longa e aqui será resumida.

Ao fundar em 1549 a cidade de Salvador, Tomé de souza sugeriu o primeiro símbolo de nossa nacionalidade: um retângulo, um campo azul celeste, com a pomba branca da aliança a esvoaçar no centro, trazendo no bico três ramos verdes de oliveira e circundada pela divisa, em letras de ouro: “Sic illa ad arcam reversa est”.


Ao ser proclamada a nossa independência, Jose Bonifácio estabelece que a bandeira seria formada de um paralelogramo verde primavera, tendo um quadrilátero romboidal cor de ouro, em cujo centro se via o escudo imperial. Sob as vistas do Patriarca, Debret executou o painel do novo pavilhão, onde foram mantidas as cores do de Tomé de Souza: verde, amarelo, azul e branco.

Instalada a República, houve quem sugerisse que se adotasse a bandeira do Clube Republicano Lopes Trovão, composta de listras verdes e amarelas, tendo ao canto junto à haste, um quadrado preto com vinte estrelas. Como se imagina, não passava de copia banal da bandeira americana.

Criando a bandeira republicana



Substituindo-se os ramos de café e tabaco pela esfera celeste estrelada (com destaque à constelação Cruzeiro do Sul), cortada pela faixa branca em que se gravou um lema de Augusto Comte[4], a nossa bandeira republicana foi concebida por Teixeira Mendes, desenhada pelo pintor Décio Villares[5], mostrada em desenho ao astrônomo Manuel Pereira Reis[6] e proposta ao governo provisório da Republica por Benjamin Constant[7].



Pensando que “uma pátria não muda de bandeira, como cada homem muda de camisa”, Teixeira Mendes preocupou-se, ao ser proclamada a República, em dotar o novo regime de um pavilhão que mantivesse a nossa continuidade histórica, guardando dos anteriores o que esses apresentavam de característico.

O Decreto no. 4, de 19 de novembro de 1889, que instituiu a bandeira da Republica, considerou que as suas cores “recordam as lutas e as vitórias gloriosas do Exército e da Armada na defesa da Pátria, e simbolizam , independentemente da forma do governo, a perpetuidade da Pátria entre as nações”. Foram assim mantidas as antigas cores nacionais: verde, amarelo, azul e branco, e conservadas as estrelas representativas dos Estados.

Retirada a coroa símbolo do império, foi acrescentado à bandeira o lema “Ordem e Progresso”, que o rei Jorge V da Inglaterra declarou, em 1922, dever constituir o programa de todos os povos. O que o dístico da bandeira pretende indicar é que as duas tendências não são irreconciliáveis, ao contrário, podem e devem harmonizar-se.


Apóstolo da humanidade


Escritor prolífico, Teixeira Mendes, que recebeu, ainda em vida, o epíteto de “apóstolo da humanidade”, publicou inúmeros artigos e produziu obras de fôlego, como La philosophie chimique d’après Auguste Comte, Esboço biográfico de Benjamin Constant, As últimas concepções de Augusto Comte, O ano sem par, O Catolicismo, A propósito da liberdade dos cultos, A política positivista e o regulamento das escolas dos exércitos, A comemoração cívica de Benjamin Constant e a liberdade religiosa, A liberdade espiritual e a organização do trabalho e A diplomacia e a regeneração social.


Entre suas produções poéticas, destacam-se Hino ao Trabalho e o Hino ao Amor.

Teixeira Mendes, faleceu repentinamente em 28 de junho de 1927, dia de Joanna d’Arc.

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Texto de C.S. Soares
Original do site:Hoje na Litratura 
Disponível em: http://hojenaliteratura.com/05011855-nasce-o-criador-da-bandeira-nacional/ 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Visita ao Museu da Língua Portuguesa / Estação da Luz - São Paulo




















DE COMO NÃO SE SABER ONDE NASCEU NEM ONDE CAIR MORTO



O escritor Carvalho Junior integra-se ao debate acerca de onde nasceu mesmo seu/nosso conterrâneo ilustre o poeta, advogado, etnógrafo, linguista, professor, pesquisador Antônio Gonçalves Dias.

Todo mundo sabe de cor e salteado que Gonçalves Dias nasceu em Caxias, Maranhão. Mais que filho de Caxias, Gonçalves Dias é rima dela.

Ocorre que o local onde Gonçalves Dias nasceu, em 10 de agosto de 1823, está hoje dentro do território do município de Aldeias Altas, que recebeu de Caxias quase dois mil quilômetros quadrados para deixar a condição de distrito caxiense e tornar-se um município independente há 53 anos, desde 26 de dezembro de 1961.

Não bastando o ter recebido de Caxias parte de seu território, de sua população e até parte de seu antigo nome, alguns revisionistas querem transferir a naturalidade, o registro de nascimento de Gonçalves Dias.

Já vi/li coisas sobre isso há anos. O debate é válido. E, claro, tenho minha própria opinião, se é que ela vale algo.

Minha opinião até agora é a de que não parece ser justo o querer transferir-se uma naturalidade em razão de endodivisões geográficas ou repartições internas de um território. Se isso vingasse, ocorreriam inúmeras situações de sucessivas "atualizações" de certidões de nascimento de uma mesma pessoa. Veja-se, hipoteticamente:

- alguém que depois se tornaria um ilustre escritor ou que permaneceu um simples camponês nasceu no século 19, no território do hoje município independente, maranhense, de Itinga do Maranhão, fronteiro com o estado paraense (especificamente, com o município de Itinga do Pará). Essa pessoa seria registrada como caxiense, pois o território de Caxias se alargava até os limites com o Pará;

- tempos depois, Caxias cede território para que seu distrito chamado Pastos Bons se autonomize e torne-se o independente município de Pastos Bons. Ter-se-ia de trocar a certidão do hipotético caxiense acima para tornar-se pastos-bonense?;

- novamente tempos depois, Pastos Bons cede território para constituir-se o município de Grajaú. O ex-caxiense passaria a também ser ex-pastos-bonense e iria ao cartório para ser grajauense?;

- outra vez ocorre cessão de território: Grajaú cede área para nascer oficialmente o município de Imperatriz. Agora aquele antigo caxiense é o mais novo imperatrizense e acumulou ex-naturalidades: ex-caxiense, ex-pastos-bonense e ex-grajauense;

- mas a História é dinâmica e as movimentações políticas, os sonhos de autonomia de antigos distritos transformam-se em realidade. O povo quer, políticos lutam e resta aos poderes Legislativo e Executivo transformarem em lei vigente a vontade social, popular, e política: cria-se, das terras de Imperatriz, o município de Açailândia. Aquela pessoa agora é açailandense e ex-caxiense, ex-pastos-bonense, ex-grajauense, ex-imperatrizense;

- e assim vai... E o tempo não para: eis que Açailândia sofre também sua endodivisão e seu território se biparte, com uma parte sendo transferida para autonomizar o distrito de Itinga, que se transforma no independente Itinga do Maranhão. Nova ida ao cartório -- e o ex-caxiense, ex-pastos-bonense, ex-grajauense, ex-imperatrizense é agora um cidadão itinguense.

Será lógico, racional, nascermos em um município e não termos segurança histórica e legal de que não nos mudarão a naturalidade, pelo simples fato de que não podemos antever como as divisões e redivisões de um dado território acontecerão ao longo do tempo?

E como ficaria a situação ou a certidão de nascimento de pessoas que nasceram em terras de diversos estados que, em séculos passados, pertenceram e depois "despertenceram" a outros estados. São Paulo já pertenceu ao território do Rio de Janeiro, a cujo governo “ficou sujeito, tanto administrativamente como no Judiciário”, como anotou Ildefonso Escobar. Mais: São Paulo já foi também do território da Bahia, de cujo governo “ficou dependente”.

Por sua vez, o Paraná já pertenceu ao estado de São Paulo.

Partes dos territórios de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso já foram de São Paulo.

A capital paranaense, Curitiba, e o estado de Santa Catarina já foram paulistas.

São Paulo também já foi e "desfoi" do território do Rio de Janeiro, em um puxa-encolhe que, como sanfona, resfolegou, veio e voltou do século 16 ao século 18.

Isto posto -- e é só uma amostra... --, dever-se-ia aplicar a lógica das sucessivas mudanças de naturalidade ao sabor e ao longo desses processos de redivisão e endodivisão? Faz sentido isso? Ora!... Uma hora determinado território é de município ou estado ou país "X", outra hora passa (ou pode passar) a pertencer a município, estado ou país "Y".

Então, ninguém está seguro de sua naturalidade. Haja tempo, esforço e outros recursos para a revisão de certidões de nascimento e atestados de óbito...

É... Pelo visto, corre-se o risco de não sabermos em que terra nascemos.

E, pior, não teremos nem onde cair mortos...



EDMILSON SANCHES
esanches@jupiter.com.br